Lembrei-me de Raul Brandão na hora do almoço. Gosto de fazer a refeição sentado, em volta de comida que com tempo é cozinhada. Vou na Madorna, arredores da Parede a um pequeno Restaurante, ao qual chamam 'A Cantina'. Sentei-me, e avancei para o repasto. Na mesa do lado, estavam três pessoas. Todos eram do sexo masculino, e trajavam roupas de outras épocas. Como o almoço para mim significa espaço de tempo, apercebi-me que por aquela mesa também não havia pressa. Falava-se de viagens. Parecia que tinham arrancado a folha de um calendário de parede. Como se o filme tivesse ficado com a bobine presa, e a imagem fixa em eternos minutos. África, Moçambique, os mares do Sul. Depois o que usava óculos, pousou as mãos junto do queixo e soltou um rumor 'que saudades tenho do Índico' . Então o filme voltou de novo a rodar. Viveram em Lourenço Marques. Eram portugueses que para ali tinham ido na década de cinquenta. A alegria com que falavam dos lugares. As praias, a cerveja, os aromas e a cor do mato, fixou-me a atenção. Falavam como se lá estivessem. Como estava perto, deu para perceber a felicidade daquelas pessoas. O simples recordar uma vida que passou num momento. Não falavam dos dias que correm. Recordavam um passado distante. Os Subarus picada dentro. A galinha ao cafreal. As gazelas da Suazilândia. As mulheres e o luar nas noites do Índico. Aqueles relatos de quem deixou o coração por aquelas terras, recordou-me o cronista/viajante, Raul Brandão « Há três dias que ando metido na ria, com a barba por fazer, sujo como um ladrão de estrada (...) meia dúzia de esboços, apontamentos rápidos (...) quando regresso do mar venho sempre estonteado e cheio de luz que me trespassa». Fiquei com a sensação que os meus companheiros da hora do almoço, nunca haviam regressado da sua terra. África.
(EX)CITAÇÕES
"Carlos Cruz não se suicidou e está de boa saúde." Serra Lopes, advogado de Carlos Cruz. Fonte CM.