27 de agosto de 2010

"LEITURAS"


"Na época em que alguns homens bons se reuniam na Biblioteca para conjurar a catástrofe iminente e procurar as directrizes duma vida nova, Raul Brandão era do número. Uma tarde saímos dali atormentados de apreensões. Na rua vazia e crepuscular, o ventinho desolado parecia soprar no nosso íntimo. Um homem alto e magro, com a capa negra a voejar, o chapéu artista amachucado na cabeça branca e fina, os joelhos a roçar-se, caminhava em passadas largas e agitadas, brandindo como um florete a bengalinha, e bradando: «Eles já cá estão! Eles já cá estão!...» Desapareceu à esquina do Chiado, como se avançasse sozinho ao ataque de invísivel inimigo".
Fonte:Lembranças de Raul Brandão, José Rodrigues Miguéis (1901-1980), in A Amargura dos Contrastes (2004; texto originalmente publicado no jornal Diário Popular, em 25 de Outubro de 1973).