9 de agosto de 2013

Paul Bowles, nómado


"Na Primavera, regressámos a Fez e ficámos no Belvedere. Eu estava a terminar The Sheltering Sky e a Jane estava imersa na sua novela Camp Cataract. Ao raiar do dia, tomávamos o pequeno-almoço na cama no seu quarto. Depois, eu ia para o meu quarto, deixando a porta aberta para que pudéssemos comunicar, se assim o quiséssemos. Numa dada altura, ela estava em dificuldades com uma ponte que tentava construir sobre um desfiladeiro. «Bupple! O que é um cantilever, ao certo?» ou «Pode-se dizer que as pontes têm contrafortes?» Imerso na escrita dos meus capítulos finais, respondia-lhe o que me ocorresse, sem sair do meu estado voluntário de obsessão. Ela ficava calada durante um bocado, e depois voltava a chamar-me. A torrente do rio, mesmo por baixo das nossas janelas, deixava apenas ouvir os sons mais penetrantes; as comunicações tinham de ser bastante importantes, para que valesse a pena gritar. Após três ou quatro manhãs, apercebi-me de que algo estava errado; ela ainda estava na ponte. Levantei-me e entrei no seu quarto. Falámos sobre o problema durante um bocado, e confessei-me intrigado. «Porque é que tens de construir o diacho da coisa?», perguntei-lhe. «Porque não dizes apenas que estava ali, e pronto?» Ela abanou a cabeça. «Se não souber como foi construída, não consigo vê-la.» Achei isto incrível. Nunca me ocorrera que tais considerações pudessem estar implicadas no acto de escrever. Talvez pela primeira vez vislumbrasse o que a Jane queria dizer quando afirmava, como muitas vezes o fazia, que escrever era «tão difícil»." Fonte: Wook.