4 de junho de 2014

Clássicos de aventuras e viagens


«A estranha história de Os Folgazões—título que promete sorrisos mas esconde uma brownie dos infernos e dos Juízos Finais exacerbados pelas superstições religiosas que alimentaram a tradição do século XVIII escocês—é uma sonata fantástica sobre o mar e os naufrágios (aceitemos como justas as palavras do autor); não o mar contrariado pelos faróis da família Stevenson, impedido de se mostrar no melhor da sua força destruidora, mas o Mar—o Mar autêntico, indomável e supremo, coleccionador de mortos que ele só devolve desfigurados, devorados por monstros escondidos nos seus abismos. No mais surpreendente de Os Folgazões está o espectáculo destas águas em delírio, da sua crueldade para com os homens apanhados nas suas cóleras, o espectáculo que embriaga o tio Gordon, o que ele vê como representação da força divina em batalha com o Mal—o Mal dos mitos da superstição escocesa, dos bogles e dos spenters, seres marinhos demoníacos que a sua alucinação reconhece num náufrago inocente mas por fim embriagado, ele próprio, comeste desvario incontrolável e fugido a todos os esforços de uma mão de homem, e apenas resposta à ira insaciável, ao enfeitiçamento soberano, dos Folgazões. Os Merry Men (os Folgazões), rebentamentos de ondas com altura que desafia a imaginação, talvez tenham chegado a esta novela com a memória de dois versos de uma canção escocesa: “O mundo das águas era a nossa casa / E folgazões nos sentíamos!”.»  Fonte: Aníbal Fernandes, na Introdução de Robert Louis Stevenson.